sexta-feira, 3 de março de 2017

ÍNDIA - "Minhas lições na prisão em Tihar", Kobad Ghandy

Reproduzimos relato escrito pelo preso político  Kobad Ghandy sobre o tempo em que ele está encarcerado nas masmorras do velho estado indiano. 


Meus quase sete anos passados na prisão de Delhi são suficientes para compreender como funciona a sócio economia do crime. Os pequenos criminosos possuem um só objetivo: tornar-se grandes. Quanto mais pessoas você mata, melhor é seu estatuto.
Os muros de Tihar excluem não somente o calor do sol, mas também da sociedade. Os muros elevados das prisões de segurança máxima bloqueiam o sol e também a maior parte das instalações de saúde e de entretenimento da prisão. A desumanidade da atmosfera na prisão é ainda mais fria. Os níveis extremos de manipulação e de egoísmo fizeram mesmo com que nossos políticos parecessem anjos, a verdade é mesmo uma raridade e a mentira é a norma, a ingenuidade, uma ocasião e o pretexto é natural.
Tihar reflete, podemos dizer, um microcosmo da sociedade de hoje no exterior, apenas a escória da mesma. É claro que mesmo na imundície dos lugares mais sujos, nós podemos encontrar diamantes, mais isso é raro. Viver de acordo com princípios é quase impossível, ser oportunista torna-se o objetivo principal. A simplicidade é considerada como ingenuidade, quase estupidez, a astúcia e rudeza são os modelos.
Sete anos em tal ambiente trata de desumanizar não importa quem, isso impele a entorpecer toda a sensibilidade. Entretanto, além dessa provação de confinamento extremo, além disso, em uma prisão da prisão, Tihar é uma grande escola de aprendizagem. Porque o crime continua a aumentar em Delhi, porque Delhi é a capital mundial do estupro e porque o sistema de justiça penal parece tão injusto.
Podemos dizer que Tihar possui quatro categorias de detentos – os pequenos ladrões, que são a maior parte dos detentos; aqueles que estão na prisão em função de conflitos pessoais ou familiares; os grandes criminosos profissionais, membros de gangues; enfim, os detentos de colarinho branco e os vigaristas. Os violadores provém dessas quatro categorias. Os dois últimos possuem o estatuto mais elevado na prisão, todos os cumprimentam. Os pequenos criminosos possuem um só objetivo: juntar-se à liga dos grandes. Quanto mais você comete assassinatos, mais elevado é o seu estatuto, quanto maior é o saque, mais o estatuto é elevado.
Os criminosos menores são um produto da pobreza excessiva, das vastas jhuggui e das colonias empobrecidas de Delhi. Com nenhuma legislação do trabalho em vigor, eu encontrei muitos daqueles que realizavam trabalhos extenuantes de 10 à 12 horas por dia e que ganhavam de 3.000 à 5.000 rupies por mês. Quem mais é atingido são os jovens tocados pela cultura de cinco estrelas promovida dia e noite e eles aspiram assim à maior parte doo bolo.
Na segunda categoria, as querelas pessoais são em parte resultado de ações opressoras de elementos poderosos não punidos pela polícia local, em razão de um vínculo da polícia com esses elementos. Isso força a vítima a fazer justiça por ela mesma ou a seguir uma cólera espontânea. Uma ação policial rápida eliminaria 50% desses casos, nos quais o acusado é provavelmente menos culpável que seu opressor.
O aumento da criminalidade de grande envergadura em Delhi, mais particularmente no cinturão exterior de Delhi/Haryana, está ligado aos aspectos da bolha imobiliária. No curso de meus primeiros anos de prisão, haviam poucos elementos desse genêro, mais a partir de 2011-2012 houve um impulso. As fronteiras entre os concessionários de bens e os criminosos é delicada e a maior parte do dinheiro é negro (90% de toda a transação). A maior parte dessas gangues, pelas quais qualquer dezena de milhões de roupies são um brinquedo de criança, possuem uma ligação com os políticos e com a polícia local, então eles lucram de uma proteção.
Kishan Phelwan (INLD) e seu irmão morto MLA, são um exemplo. As gangues rivais são formadas para se vingar de seus supostos delitos anteriores. O aumento do grupo de Jhajjar para combater o terror relatado de um poderoso sarpanch (prefeito ou conselheiro local) de uma vila de Rohtak (que é ligado ao congresso), é um outro exemplo. Hoje existem numerosos bandos desse tipo em Delhi e nas proximidades de Delhi ((Haryana et Uttar Pradesh)) desenvolvendo-se sobre a vasta riqueza ilegal em torno da capital.
Enfim, os vigaristas são igualmente ligados a enorme massa de dinheiro sujo gerada por Delhi, na qual aqueles que estão em posição e autoridade (grande ou pequena) utilizam sua posição para enganar os outros. Somente uma pequena porcentagem deles está na prisão, aqueles que possuem boas relações raramente são tocados.
Um dos sindicatos do crime em Delhi / Haryana informou-me de que, quando os agricultores obtém dezenas de milhões de rúpias para sua terra, o dinheiro vai para a compra de SUV, de revólveres, e de investimento em TV a cabo, jogos de azar e empréstimo de dinheiro. Tudo se passa em meio a utilização de dinheiro sujo, e a nação será condenada (eles não pagam impostos). Nós os vemos vestir-se na última moda, Adidas, Reebok, etc, e eles falam de nada menos do que hotéis de cinco estrelas, centros comerciais e bares. Assim, encontramos um mercado (de alto nível) de bens não produzidos por trabalho e emprego (indústria), mas pela criação de riqueza por parte da financeirização da economia. De acordo com um relatório do governo (dezembro de 2013), a economia paralela na Índia representa 75% do nosso PIB. Esta enorme quantidade priva o nosso país de sua riqueza e criminaliza a economia.
Não é surpreendente que, em 2014-2015, a quantidade de bens roubados em Delhi atingiu um gigantesco número de 440.55 bilhões de rúpias - ou seja 300 milhões de rúpias a mais do que o orçamento de Delhi. Consequentemente, um valor de apenas 27830 bilhões de rúpias de propriedade foi recuperado. O número de roubos multiplicou-se em mais que o dobro em apenas um ano para chegar a 100.000 em 2014. Incompetência ou relutância da polícia para recuperar o tesouro é uma das principais causas de encorajamento para esses sindicatos do crime. Com seu dinheiro intacto, eles o usam seja para enfraquecer as acusações contra eles, seja para sair sob fiança. Nenhuma medida suplementar da polícia irá reduzir a taxa de criminalidade, enquanto a criminalização da economia continua a se desenvolver rapidamente.
E, quanto ao estupro, nos três anos seguintes ao incidente Jyoti Singh, o número de casos de estupro em Delhi multiplicou-se por três e as agressões multiplicaram-se por sete. As novas leis, a vídeo vigilância, mais serviços de polícia farão pouca diferença, enquanto o estado de espírito das pessoas (incluindo as autoridades) continua a ser o mesmo. Desde que a abordagem feudal, juntamente com a mercantilização ocidentalizada das mulheres, ainda exista, esses problemas só podem ter um aumento. Isso podemos deduzir do tipo de discurso que ouvimos sobre as mulheres na prisão. A reforma é improvável desde que esse estado de espírito existe e é promovido pela mídia. Não há arrependimento por todos os comentários sobre a juventude nos meios de comunicação.
E no que concerne o sistema judiciário penal, ele funciona unicamente sob nos caprichos da polícia/promotor que pode reduzir a gravidade dos processos (síndrome Salman Khan) ou retardar os processos com falsas acusações e táticas de atraso. Muitos sindicatos criminosos (talvez Chhota Rajan também?) pertencem à primeira categoria, eu, eu estou na segunda. O promotor e a polícia foram arrastando meu caso por seis anos e meio em Delhi, e me impuseram falsas acusações em todo o país (muitos lugares os quais eu sequer ouvi falar), e eles se asseguram que estes processos não são investigados simultaneamente, e se reservam outros processos em outros estados. Com mais de 68 anos, sofrendo vários problemas de saúde, isso não é nada mais do que a utilização, pela polícia, de um sistema de assassinato judicial. Com minha pulsação, muitas vezes caindo abaixo de 40, que seria responsável se alguma coisa grave aconteceu comigo?



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